Sinopse
O
mundo pós-moderno; a resultante da falência das grandes utopias depois que o
Muro de Berlim veio abaixo em 1989, seria aquele cuja História teria chegado a
seu fim e o triunfo do capitalismo, a única ideologia possível, não permitiria
um questionamento de seu sistema enraizado nas democracias representativas.
No
entanto, o que assistimos desde a crise imobiliária de 2008 e a realidade
pós-pandemia é que uma internacional dos nacionalismos emergiu inexoravelmente
no globo. Apesar de não se apresentarem na sua totalidade, os movimentos de
outrora resgatam alguns elementos desconexos no seio do neoliberalismo. Assim
como o comunismo precisou se reinventar para sobreviver, os nacionalismos tentam,
a seu modo, trazer a alternativa pelo viés da multipolaridade.
Este livro terá o registro histórico dos principais movimentos nacionalistas das décadas de 1920-30, apresentando um pouco de sua base conceitual e prerrogativas para o leitor leigo ou não, uma vez que pensava-se estarem superados depois da Segunda Guerra Mundial. Será que o pragmatismo cético político permitirá o ressurgimento das velhas ideias espiritualistas?
Apresentação
Quando
estava na 5ª série do Ensino Fundamental, aos onze anos, durante meu processo
de formação enquanto pessoa e do caráter, meu pai, que sempre despertou em mim
uma curiosidade sem tamanho devido ao fato do mesmo ser imigrante e pertencer a
uma outra cultura, contava-me suas memórias do além mar, na província de Leon
(Espanha) que já abrigou a VII Legio Romana, em Asturica Augusta (atual cidade
de Astorga). Além de suas histórias de quando esteve no exército durante a
década de 1960, servindo na Artilharia Antiaérea em pleno regime franquista,
havia também os feitos de glória de seu pai (meu abuelo) e de meus tios avós
que lutaram na Guerra Civil Espanhola (1936-1939).
Empolgado,
então, comentei com o velho professor de História da escola do bairro onde
cresci que meu avô lutou no bando nacionalista na guerra. Lembro até hoje do
acadêmico grisalho fazer uma expressão espanto, talvez até de desprezo, e falar
que apoiava a causa dos republicanos. Ainda muito jovem, eu não fazia ideia
qual era a diferença de um lado e outro que esteve em conflito, e até com uma
decepção aparente, do professor dizer que não concordava com o lado ao qual meu
antepassado lutou bravamente, desde então, resolvi que devoraria todo tipo de
material para fazer jus à memória de meu avô.
Passei
a ler todo tipo de livro que conseguia nas livrarias Sebos. Tive contato com
aquela brilhante coleção Renes, da História Ilustrada do Século da Violência e
da Segunda Guerra Mundial, cujos fascículos eram traduzidos da coleção
original; a Ballantine Books. Bem como os relatos impressionantes de pessoas
que viveram as guerras, até as façanhas de espionagem, dos números da
Flamboyant. Muito desse acesso às coleções que marcaram épocas serviram-me para
escrever o livro “Bellum – A Guerra como Atividade Humana” lançado em 2023,
onde faço um aparato das guerras desde a antiguidade. Pois bem, partindo de uma
premissa semelhante, além de preservar a memória do abuelo, decidi legar ao
mundo, humildemente, minhas impressões quanto às ideias que orbitavam o passado
político de minha família do outro lado do Atlântico.
Meu avô não era um militante político da Falange, ele,
assim como seus cunhados que também estiveram nas frentes de Aragón (Zaragoza)
e na Batalha de Teruel (1937-38), foi recrutado pelo serviço militar
obrigatório e enviado ao front (sendo ferido com metralha em combate). Naquele
período de incansável investigação literária e filosófica, onde tive acesso aos
diferentes espectros que estavam em conflito da guerra civil mais sangrenta da
História, realmente pude elaborar meu senso crítico, bem como li (ou ouvi) pela
primeira vez o que seria o carlismo, fascismo, comunismo, nacional-socialismo,
anarco-sindicalismo e tantos “ismos” - a cada página virada, mais parecia que a
vastidão desse terreno fecundo de ideologias não tinha fim.
Não apenas me contentava em aprender sobre os movimentos,
bem como quis viver as ideologias ao chegar na adolescência, por volta dos
dezesseis anos, quando integrei um grupo de skinheads da cidade de São Paulo.
De fato, foi um passo para a criminalidade, entretanto cresci muito
intelectualmente também, pois aqueles garotos que faziam parte da cultura dos
Carecas, apresentaram-me a um mundo inexplorado pela academia convencional. Tive
acesso aos exemplares da extinta Editora Revisão, que independente de cairmos
na discussão sobre a validade científica de seu conteúdo, mostrou-me uma
indignação, era como se eu fosse um dos poucos no mundo a saber da “verdade”
oculta pelos conglomerados midiáticos e as instituições que julgava
“sionistas”.
Bem,
é verdade que a maturidade intelectual com o tempo vem, e mesmo que honre ainda
o legado de meu avô veterano, sei que é possível estar no campo democrático e estudar
o assunto para uma área do conhecimento que vale a pena ser desmembrada, até
mesmo no intento de se evitar erros do passado, este, muitas vezes idealizado
por jovens radicais.
Hoje,
já graduado em Sociologia, dedico este documento às ideologias e movimentos
nacionalistas diversos que julguei serem os mais relevantes, de tendências
político-espiritualistas, para um entendimento definitivo a um público
dissidente e também leigo sobre as aspirações da chamada Terceira Posição. No
início dos anos 2000, devido à chegada da internet, um salto intelectual se deu
em minha bagagem cultural e informativa de tais agremiações, lembro-me dos
blogs do portal argentino Libreopinión, onde nacionalistas de todo o mundo
podiam publicar seus textos. Também o site Mídia Sem Máscara, local modesto que
o pessoal tinha a oportunidade de interagir, até a chegada das primeiras redes
sociais, tal qual o extinto Orkut, lá, através de comunidades de afinidades a
galera fazia contato.
Por
meio do digital, outros grupos surgiram; os Nacional-Revolucionários, ou uma
fusão da esquerda com os nacionalistas no leste da Europa, dando origem ao
Nacional-Bolchevismo, de Eduard Limonov, que inspirou a Quarta Teoria Política
de Alexandr Dugin, hoje, a base dos ideais da Nova Resistência - o grupo
nacionalista de maior expressão no Brasil atual.
Os marxistas definem o nacionalismo como subproduto do
capitalismo e expansionista, sendo a base do imperialismo. Depois do Ancien
Régime, criou-se a padronização dos mercados. O verdadeiro marxismo é
internacionalista, mas a ideia de “revolução em um só país” de Stálin, trouxe o
chamado nacionalismo de esquerda. Marx defendeu a causa dos irlandeses, apesar
de concentrar-se apenas no estudo das forças produtivas e econômicas da
sociedade, negando outros aspectos antropológicos fundamentais ou até
biológicos.
O nacionalismo seria uma
“história singular partilhada”, ou nas palavras de Benedict Anderson, uma
comunidade imaginada. Podendo este ser étnico ou cívico. Países multirraciais
como o Brasil, até por não partilharem do direito de nacionalidade pelo jus
sanguinis (direito de sangue), definem o seu gentílico pelo fato de
nascermos em seu solo. É o patriotismo cívico, e não o etnossimbolismo
racialista que sustenta o nacionalismo brasileiro, diferente das nações onde as
questões étnicas estão imbricadas com a cultura.
Além
dos capítulos destinados aos movimentos, este livro tem uma conclusão situando as
ideologias na atualidade e os desafios para o futuro em uma contemporaneidade
onde o neoliberalismo se fez triunfante. Não saberia dizer se chegamos
realmente ao “Fim da História”, defendido por Francis Fukuyama. A reinvenção do
patriotismo, que traz o conceito de Dasein de Heidegger para um mundo multipolar
situa-se em uma espécie de internacional dos nacionalismos, enfrentando uma
pós-modernidade cada vez mais avessa à tradição, assombrada pelos erros do
“nazifascismo” no passado (principalmente o holocausto retratado incansavelmente
no Cinema hollywoodiano), o que dificulta uma legitimação de tais prerrogativas.
Reuni
não só as informações sobre cada vertente, mas também tento trazer a base
ideológica dos movimentos e seus pensadores, os personagens expostos são
políticos e ideólogos poucos convencionais aos olhos da sociologia ou da
ciência política institucionalizada, devido à sua marginalização por uma
academia que tenta negar o acesso às doutrinas consideradas “indesejáveis”,
portanto, esta obra não é uma mera “homenagem” a estas figuras, pretende apenas
apresentar um campo filosófico pouco difundido ao estudante das Humanas.
Aqui
não faço uma apologia à apologética das práxis dos grupos, é a tentativa de
trazer à discussão um universo que embora tentem negar que exista, pelos
preconceitos de uma elite política e intelectual que relega ao ostracismo a
oposição que deve ser varrida ao esquecimento, ela sobreviveu (pelo menos
alguns elementos isolados) à ação do tempo, e assim como o comunismo, também
alterou-se, reinventando-se na pós-modernidade. É preciso quebrar tabus que só
fazem um desserviço à investigação honesta do conhecimento, principalmente ao
tratarmos dos “fascismos”; termo este que tornou-se sinônimo de chauvinismo,
autoritarismo e ditadura. Há uma falsa premissa da esquerda tradicional em
alegar que a reação é apenas reacionária à revolução e avessa às mudanças e não
possui profundidade intelectual, como se a erudição fosse exclusivamente de um
espectro político apenas. Tento desmistificar esta falsa noção prepotente neste
documento, uma vez que existiram os grandes teóricos nacionalistas e devem ter
uma devida atenção, pois idealizaram e reproduziram visões de mundo tão
complexas quanto as das teorias críticas diversas, feito os frankfurtianos. O
filosofar e a cosmovisão de uma sociedade “melhor” e mais “justa” ou o senso
crítico, não são exclusivos de um espectro apenas. Diria ainda mais, é
justamente no mundo pós fim da URSS que uma centro-esquerda, através da social
democracia, aliada ao capitalismo liberal, passou a ser o status quo, a
situação, e uma “direita” nacional-revolucionária apresenta-se como oposição
contestadora do establishment.
O
nacionalismo hoje tem uma caricaturização do fascista reacionário e ignorante.
No entanto aqui pretendo trazer os principais ideólogos e filósofos de sua
práxis. O que não quer dizer que não tenha se sustentado em autarquias e
violência; lembremos que Matteotti foi assassinado, Gramsci encarcerado e
tantos outros perseguidos. Porém devemos reconhecer se formos intelectualmente
honestos, que a esquerda perseguiu e persegue ainda opositores em países
totalitários que anularam o conceito de democracia, mesmo que utilizem esse
termo para definir as suas repúblicas populistas.
Umberto
Eco reconhece uma certa intelectualidade fascista, no entanto aponta que seu
radicalismo e crítica à revolução liberal, contra os ideais principalmente da
Revolução Francesa, reduz um discurso apodítico e axiomático em que não aceita
oposição, pois esta estaria composta de “traidores”. Mas os revolucionários de
outras tendências partem do mesmo pressuposto, julgando os tradicionalistas
contrarrevolucionários um empecilho à transformação de mundo que pretendem
realizar, por isso, devem ser eliminados (moral, intelectual ou fisicamente).
Erram
também, de certa forma, os liberal-conservadores ao tentarem jogar os fascismos
diversos na conta da esquerda, como se fossem irmãos heterozigotos do
comunismo. Pode-se ter uma leitura de “convergência” entre ambas devido ao
corporativismo de Estado e a chamada “democracia orgânica”, que difere da
liberal. No entanto, devemos ter honestidade intelectual em reconhecer que não
se pode comparar “animais” distintos.
Escrevo
esta apresentação justamente no dia da celebração da Revolução dos Cravos,
evento que é um divisor de águas de um passado que parece cada vez mais ser
esquecido pela mídia e as novas gerações que não viveram o período. Colocando
todos estes “ismos” em seus devidos lugares, aqui faço uma história dos
movimentos nacionalistas para de uma vez por todas esclarecer suas aspirações
em um mundo cético e pragmático do realpolitik onde parece não haver mais lugar
às ideologias e utopias.
O
autor, 25 de abril, 2023.